Old St. Mary's Church - Igreja

E qualquer dia ela apareceu. Um dia qualquer estava voltando de viagem e lá estava ela. A brisa não era algo que poderia dizer que acariciava sua face. Envolta por um casaco que tem detalhes nos botões de dourado - ouro - sua coloração era negra, nem mesmo o sapatos que possuem alguns centímetros escaparam dos detalhes dourados. As mexas avermelhadas em alguns fios de seu cabelo flamejam enquanto sobre lentamente os degraus da tal catedral.
Passou pela viga e empurra a porta lentamente - de portas fechadas. As velas acesas naquela tarde de ventania acabaram de serem apagadas, ela volta a fechar a porta. Suas mãos encontram-se desabotoando os botões do casaco e lentamente os tirando, por de baixo dele um vestido de tom escuro mostra-se exuberante. Fez um gesto de reverencia e seus passos a levaram para uma pequeno confessionário. Sentou no banco macio e esperou.

All monsters are human.

Como dizer? Qual era mesmo o motivo para Mikaelson estar dentro de uma igreja? Quase uma zombaria, talvez. Contudo, ele estava lá pois era lá o melhor lugar para se estar quando se quer fugir do caos apocalíptico das grandes cidades, ainda mais Detroit com seu ar futurista, moderno. Ao passo que ele preferia manter-se a velhos costumes, velhos hábitos, mantendo-se um eterno vanguardista de percepções e modalidades de expressão muito mais justas, honradas e confiantes do que as que se pode ver nos dias presentes. Ali, então, ele estava, dentro da Old St. Mary's Church. Um sacrilégio. Um assassino sem sentimentos exteriorizados que recorre aos braços da mãe do salvador da humanidade, que morrera há pouco mais de dois mil anos atrás. Contudo, ele não estava lá por redenção, somente por refúgio e quietude. Não era de se estranhar, por dedução, que estivesse fumando um de seus cigarros mentolados e levando à boca um pouco de whisky barato que arrumou em um leve incidente com motoqueiros uma hora antes de ali ele estar. E, lembrando disso, lembrou também de limpar o sangue encrustrado no contorno de suas unhas. A carnificina era agora abraçada pelo sagrado, pelo Santo-Graal sendo deleitado com bebida barata na boca de um satanás das estradas, de um homem sem sentimentos e sem menores resquícios de memórias traumatizadas. Apenas flashes confusos, distorcidos, queimados.

— Humpft!, soltou em protesto e tédio ao ambiente, num tom quase surdo.

Abriu uma das mãos e virou a palma contra seu rosto, bloqueando parte da visão que dava para o altar da igreja. Anteriormente um lar de freiras, ele havia ouvido falar. A sua mão, diante de seus olhos, tampava uma imagem de Maria ao lado de Jesus Cristo.

"Jesus Cristo minhas bolas", pensou reservadamente.

Sugou com força um grande trago de seu cigarro, soltando fumaça por toda a região, empestando quase toda a fileira de bancos de mogno escuro em que estava sentado. Se uma pessoa de fé entrasse ali acharia isso uma grande ofensa, ou tentaria remover o demônio do seu corpo. Só que, ele sabia, não se tratava de demônio, afinal, ele mesmo sabia: todos os monstros são humanos. Ou, pelo que já tinha visto por aí, algum dia foram. Após essa breve reflexão, apagou o cigarro na mesma mão em que tapava sua visão, arqueando levemente os supercílios e contraindo os músculos ao redor dos lábios. A dor não era nada comparada a sua incapacidade de sentí-la além do campo físico. Emocionalmente ele não sentia nada. Estava tão inerte quanto aquelas estátuas de gesso talhadas à mão. Igualmente inerte, frio e vazio por dentro.

— Agora só falta me dizer que a senhorita veio buscar por salvação!, disse virando o rosto e observando uma mulher em tom denso que sentara-se há pouco em um pequeno banco próxiumo a um confessionário; sem padre para confissão. A moça havia surgido sem que nem ele percebesse, pois talvez estivesse mais interiorizado do que nunca. O homem dentro da igreja e dentro da igreja um homem dentro de si mesmo. A mulher aparecendo foi uma quebra, só por isso ele dirigiu a palavra. O looping da zombaria, somente.

♦ The White Swan ♦ @ CG

Havia um outro ali, mas não percebeu, mesmo que aquele cheiro de cigarro tenha adentrado suas narinas nem mesmo pensou que outro estivesse ocupando o mesmo espaço que ela.
Não se pode dizer muito sobre o outro que ali estava tão pouco dela que de olhos fechados e mantendo o casaco sobre o colo enquanto esperava o padre para uma futura confissão, ou talvez estivesse esperando por outro ser. E o ser lá estava, de um sarcasmo e um jeito estranhamente familiar. Bruxas e sua incrível mania, deixar claro o que são, embora a inquisição tenha levado muito tempo para perceber isto, um ser cujo finalidade era salvar... Bom nem todas.
Levou a mão até os fios do cabelo enquanto abria os olhos sutilmente procurando na sombra das paredes o homem velho. Mexendo em seus cachos lentamente enquanto apenas o ouvia blasfemar. – Salvação significa que existe o bem e o mal. Disse ela lentamente erguendo-se e começando a caminhar para onde havia um santuário de velas apagadas. Atravessando a frente do homem, jogando o casaco no escoro do banco.
– Não seria eu quem precisa de salvação. Suspirou pegando uma caixinha de fosforo próximo as velas. Riscou o fosforo e foi acendendo as velas uma a uma.

All monsters are human.

— Você tem um aspecto de que não precisaria destes fósforos para acender essas velas, então por que se esconde por trás das limitações humanas?, lançou a pergunta à mulher no instante exato em que observou seus movimentos corretos, precisos e melodiosamente alinhados.

Apenas deu mais dois tragos de seu cigarro, jogando o corpo esponjoso, sem mais o alimento do cigarro, a parte que o fogo lambe, num canto qualquer do recinto. Cruzou as pernas por cima do encosto da fileira de bancos à frente; ele estava na segunda fileira e a visão aproximada não era privilegiada. Talvez fosse mais capaz que preferisse estar em uma sala vazia do que em um salão com arquitetura renascentista e restaurada na última década por pressão dos cardeais que querem renovar a fé católica e temem a perda de fieis. Sentiu na mulher a sua frente mais do que era apresentado pelos seus sentidos.

— Você sabe, alguns filósofos antigos diriam: os sentidos enganam. Acho que concordo.; lançou essas palavras sem muita vasão, em um tom baixo, quase como se estivesse conversando consigo mesmo.

Seu olhar seguiu a mulher que acendia vela por vela, quieta. Com um olhar sério. Observou a cadência de sua cintura, a forma como o vestido que usava modelava bem o seu corpo e lhe dava um tom irresistivelmente atraente. Só que não deixava de sentir nela algo além do visível. Já havia encontrado, ao longo de sua jornada, outras pessoas com essa mesma vibração. Pessoas que mexiam com coisas além das habilidades humanas, coisas sobrenaturais. Afagou sua barba, relaxando os músculos do maxilar e fechou seu cantil com whisky, depositando-o no bolso frontal de seu casaco. Observava a mulher com malícia, mas estava certo de uma coisa: nenhum dos dois precisava de salvação. A

"Sou além do bem ou do mal", refletiu enquanto posicionava suas mãos para trás de sua cabeça, relaxando, agora, totalmente no banco. Aumentando o sacrilégio e o seu conforto.

♦ The White Swan ♦ @ CG

As chamas que se deixavam movimentar pelo ar que corria naquela parte da igreja era estranha, não que esta estranheza seja ruim... Um pouco ali e outro aqui, alguns chamas a acalmavam outra apenas a espantava, mesmo que a intensidade das palavras jogadas a ela não tocassem as chamas lá estavam, um com um olhar desconfiado e a outra, ela, apenas olhando como a linha queimava. Então assoprou-as. – Dependo dos sentidos. Embora saber o que se passa na cabeça de um ser cujo destino não é muito favorável. Virou-se deixando apenas a vela do centro acesa. Mordeu os lábios e largou a caixa de fósforo sobre a bancada de onde havia a tirado. Riu ao ver aqueles olhos que estavam usando a mente para algo um pouco pré-histórico. Lentamente o sorriso foi de esvaindo de seus lábios, não gostava do próprio sorriso, isto era um problema de Freya.
– Sou mais humana que você. Assassinos são humanos, ou não? Balanço a cabeça negando a própria pergunta, mas mesmo assim era bom ouvir a resposta de um ser cujo sentido da palavra pode ser contrario ao interior.

All monsters are human.

Algo estava calmo demais após o frenesis de um tempo anterior à chegada da mulher. Assim, Mikaelson não se abalou com a pergunta em forma de flexa que foi lançada a si. Começou a murmurar em seu inconsciente uma resposta, sem certezas ou prisões de finalidade. Claro, era um assassino, agora se era mais ou menos humano, isso já não sabia. Apenas tinha sido humano, talvez. Antes de se especializar, de se treinar e autodisciplinar, antes de seguir sozinho, crescer e amadurecer sozinho, lutar sozinho para sobreviver. Só não tinha certeza se mesmo antes disso tudo chegou a ser humano. Só se lembra de abrir os olhos e acordar em um orfanato. Com 8 anos. Antes disso não é nada mais do que um vulto. Suas lembranças haviam sido ceifadas, seus sentimentos jamais foram plantados ou desenvolvidos. Alguns atribuiam, inclusive, a ele alguma virtude para o mal. No entando, ele não possuia sequer virtudes. Só a simulação delas em tom suficiente para convencer ao próximo. O resto era disciplina, e tanta disciplina aliada à sua história não dava uma resposta à questão lançada para si. Sempre travava com tais perguntas sobre felicidade, identidade e afins. Achava isso um ato fútil e descuidado. Fútil porque era perguntado por perguntar. Descuidado porque escondida uma profundidade além do fútil, desconhecida pelo outro.

— Acho que não sou humano, apesar de ser humano. Ao menos não no quesito humanidade., foi o que conseguiu responder, sem se prender a nenhum convencimento; apenas disse.

Descruzou os braços, voltando a posicioná-los normalmente, soltos. Assim como o fez com suas pernas, deixando de pendê-las sobre o banco. Levantou-se e, enquanto fazia isso, observou de canto os traços da mulher. Quis sorrir, mas não conseguia. Então apenas andou, arrastando seus sapatos com lama seca.

— Você ainda não me disse o seu nome., as palavras sairam de seus lábios evaporando no ar, quase como o resto de fumaça que ainda saia dos pavis das velas recém apagadas.

Andou pelo salão, passando frente às imagens dos santos e passou a poucos centimetros atrás da mulher. Seu vestido era negro, com uma luz escarlate nas extremidades. Fitou-a enquanto deslizou uma de suas mãos por sua nuca e a levou novamente à posição natural. Estava inquieto e intrigado, mas não surpreso. Era curioso, não espantável. Tinha sede, não medo. E assim como os discípulos beberam vinho na Santa Ceia, Mikaelson estava bebendo aquela noite - mesmo que, por ele, ninguém pudesse valer sequer trinta moedas de prata.

♦ The White Swan ♦ @ CG

Casa e segurança... Uma igreja era feita de que? Esperanças espalhadas sobre a argila que ali a mantinha de em pé. Seus olhar virasse para cima, seus lábios fechados enquanto apenas sentia o perfume de trago dos lábios do rapaz, mesmo longa... Sentidos fazem quem ela é, sentidos a desfaz do mesmo modo como construída. Ouvi lá fora o murmurio do vento, sutilmente o assovio de dias que se passam sem poderem ser contados. Mas a aparência esta que tanto importa é falsa, ser alguém como ela tinha lá suas vantagens. Pois a casa de Deus é o santuário de bruxas procurando juventude. Construir uma casa, desconstruir uma imagem.
– Mas... Filósofos dizem tantas coisas... Seus olhar ainda sobre o teto, o comentário atrasado veio por vir. – Bom, és tão humanoide quanto eu. Humanos são feitos de dúvidas. São feitos de não sentimentos. Sorriu sentindo o cheiro mais próximo, passando atrás de si. Tendo a certeza que aquela mente estava embriagando-se apenas virou o olhar a ela. Deu um suspiro, mexeu no cabelo e lentamente foi andando para próximo do casaco.
– Certeza que não sabe meu nome? Sorriu recostando as costas no escuro macio que proporcionou o casaco. Balançou a cabeça cruzando as pernas e com o olhar a cruz.

All monsters are human.

Aproximou-se, passo a passo, da mulher. Observou-a inclinar-se para pegar o casaco, mantendo o mesmo alinhamento corporal de quando andava, era uma bela mulher e sabia equilibrar-se em si mesma, sem pender mais para um lado ou mais para outro, como muitas mulheres futilmente o fazem. Cerrou os lábios, inspirando uma boa gorfada de ar pelas narinas, preenchendo seus pulmões totalmente e depois os esvaziando lentamente. Deixou a ponta de sua língua escapar-lhe a boca e deslizou suavemente por entre os lábios, umidificando-os com moderação. Até que se aproximou mais e tocou no colar da moça. Uma pedra de topaz estava no pingente. Segurou-a e deslizou seu olhar entre o pingente e os lábios da moça, subindo um pouco mais até os olhos. Inclinou sua cabeça sutilmente para frente, aproximando seu rosto do da mulher.

— Ando muito por aí, sei muitos nomes. Acho que posso ter ouvido o seu, uma mulher como você não é difícil deixar de notar., disse em um tom um pouco mais focado e lento, olhando a moça de perto.

Arriscou um sorriso, mas o alimento de um sorriso, que geralmente nasce na área do cérebro responsável por coisas boas ou felizes, não serviou para sua tentativa. Apenas cerrou mais os lábios, demonstrando um olhar envolvente e convidadito, apesar de não conseguir se conectar com ninguém. Andou ao redor da mulher, tirou o seu casaco pesado e grosso, em estilo de jaqueta, e colocou sobre os ombros. Colocou duas luvas que tirou dos bolsos.

— São para minha garota, minha motocicleta.; apenas disse, sem pensar se era necessário ou não.

Colocou um par de óculos escuros, algum modelo Ray Ban que ficava, arquetipicamente, bem para motoqueiros ou homens que passavam a vida na estrada. Contudo, o uso deles à noite era uma afronta. Os moralistas dizem que só se pode usar uma coisa para sua função primordial. Qual seria a função primordial daquela casa de uma religião, então? Tantos pecados dividiam lar com contos de fada, pessoas corrompidas e santos impossíveis de existir para sãs consciências. Tudo era afronta e contraditório. Por isso, ele não se importava. Andou e alojou-se pouco atrás da mulher, que estava de costas para o longo corredor central que levava à porta de entrada da igreja.

— Quero ouvir seu nome de seus belos lábios., sussurrou quase como o vento que corria lá fora, deixando sua face há menos de um centímetro de proximidade da nuca da mulher, com seus lábios falando próximos a um de seus ouvidos.

♦ The White Swan ♦ @ CG

Apenas o observava, lentamente inclinando a cabeça. Não deu passo algum para traz, seu bafo era realmente estonteante. Não fez muita questão de olhar nos olhos dele, já tinha visto o que tanto ele queria mostrar, mas alguém que nem ao menos sabe que tem sentimentos ou memórias tem olhares iguais. Era engraçado, ele queria ouvir seu nome... O seguiu com os olhos. O que um nome pode dizer a ele? Apenas ouviu aquelas palavras.
Lentamente as luzes das vidraças lá em cima foram desvaindo com o tempo, a noite vinha deixando sua marca obscura sobre a casa de Deus. Ela ergue uma das mãos e passa por sua face enquanto observa o homem ainda. Apenas pensava se iri ou não dar a resposta que tanto ele deseja. – Não gosto de rótulos. Mikaelson, tenho um nome para cada cidade que estou. Bom, se quiser meu nome terás que procurar a única pessoa que sabe o desta cidade. Suspirou, virando-se e voltando a dar passos enquanto o perfume embriagado do homem era um pouco fraco. Era melhor de se respirar. Imagine se ela conseguiria aguentar aquele bafo se seus lábios se tocassem. Apenas virou-se novamente sentou sobre a cadeira quase que abaixo da cruz. Cruzou as pernas e ficou o olhando.

All monsters are human.

— Fitzroy..., sentenciou em palavras.

Observou a movimentação da moça e sua aproximação de um enorme cruxifixo. Colocou as mãos nos bolsos procurando por mais algum de seus cigarros e não os encontrou. Aquilo fez com que bufasse um pouco. Impaciente, girou-se e começou a andar em direção a saída. Pouco antes de sair pelas imensas portas, virou-se para o ambiente. Observou as fileiras, o confessionário, os bancos, o altar, as imagens e as cores entre o tom vivo e o morto. Observou mais uma vez a mulher. Sabia agora quem ela era. Isso porque ele associara todo o seu jeito de agir com o que já havia ouvido sobre ela. Temperamentos guiados pelos sentidos eram suas grandes características, e sua resposta final foi um triunfo para os que não possuem rótulos e o az na manga para quem precisava apenas de um detalhe.

— Quando sair, por favor, leve o corpo do padre para algum lugar. Acho que um confessionário é um lugar sagrado para um corpo inútil. Afinal de contas, você tinha vindo se confessar. Creio que ainda possa fazer isso com um corpo. Ou não., informou aumentando o tom de voz um pouco mais, porém mantendo-o no mesmo nível de propagação.

Virou-se, pôs novamente seu casaco e abriu a porta. Saiu. Subiu em sua motocicleta, girou suas astes, apertou seu acelerador e partiu. Em uma de suas mãos havia mais do que o vazio de sempre. Ali estava o colar de Fitzroy. Havia pego suavemente, como um sopro. E ele sabia que esse seria, com certeza, um motivo para um próximo encontro.

Em breve.

♦ The White Swan ♦ @ CG

Apenas o viu saindo. Suspirou e viu as chamas da única vela acesa se espalhando e acendendo o resto das velas, as chamas até mesmo acenderam as tochas nos cantos da igreja. Balançou o pé enquanto ouvia a moto partindo. – Ele sabe seu nome. Digo, sobrenome, querido. Disse dando um sorriso e virando o olhar para um dos pilares da criação. _ Nhaw... Ele pegou sua coleira. O gato murmurou enquanto saia de traz do pilar. – Apenas mais um.
O gato pulou sobre o corpo do padre morto e ficou o olhando enquanto ela levantava-se. Pegou o pulso no padre e o colocou sentando sobre a segunda fileira, lentamente foi o ajeitando e limpando-o para não deixar marcas. Pegou o gato no colo e o casaco e saiu pela porta de traz.